A par da evolução tecnológica – uma das faces positivas da
globalização – a deslocalização da produção dos chamados “gadgets” eletrónicos
para os países em desenvolvimento onde a mão de obra é substancialmente mais
reduzida veio tornar o seu custo acessível a quase todas as pessoas. No entanto
a avidez humana leva ao desequilíbrio e à irracionalidade. O lixo eletrónico (e-waste,
como é mundialmente conhecimento) tem-se tornado num sério problema e
materializa o lado negro da globalização. Hoje em dia entre 20 a 50 milhões de
toneladas de lixo eletrónico são produzidas por todo o mundo. Computadores,
monitores, televisores, telemóveis, impressoras, leitores de DVD e muitos outros
equipamentos são descartados pelo homem a um ritmo alucinante mesmo antes do
seu fim de vida. Mesmo que o bom senso nos leve a entregar o nosso lixo
eletrónico num centro legalmente habilitado para a sua reciclagem, o mais certo
é que o lápis negro da globalização trace o seu destino até África ou, mais
provavelmente, até à vila de Guiyu, na China, conhecida como a capital mundial
do lixo eletrónico.
Nos países desenvolvidos ocidentais, reciclar um computador
pode custar 16€, enquanto em Guiyu custa 1,5€! Ou seja, o mais certo é que os
equipamentos produzidos na China – o maior fabricante de eletrónica do mundo –
viajem até ao ocidente e depois voltem como lixo à sua origem! Em Guiyu,
outrora uma fértil vila da província de Guangdong no sul da China, cerca de 150.000
pessoas trabalham 18 horas por dia para retirar tudo o que se possa aproveitar
do lixo eletrónico para vender. Cobre, ouro, platina, prata, paládio são
recuperados de forma primitiva e sem quaisquer medidas de proteção para os
operários e muito menos para o meio ambiente. A terra tornou-se imprópria
devido às toxinas acumuladas e a água potável tem de ser transportada de uma
localidade a 20km de distância. A água em Guiyu é escura e ácida.
Recorre-se a
químicos altamente tóxicos para remover componentes de placas eletrónicas e
queimam-se elevadas quantidades de plástico, metais pesados como o chumbo ou o
mercúrio e outros químicos perigosos nas ruas onde vivem e onde os seus filhos
brincam. A taxa de cancro, doenças respiratórias e renais, infertilidade e
malformações fetais são alarmantes.
Apesar da existência de legislação internacional o certo é que, legal
ou ilegalmente, 70% do lixo eletrónico de todo o mundo continua a viajar para
Guiyu enquanto o mundo assiste com uma inércia e impavidez que desafia a racionalidade
da raça humana.
A globalização que nos foi imposta esconde a gravidade do problema do
lixo eletrónico. Porque o fabrico, a produção, o consumo e o descarte ocorrem
em diferentes locais por todo o mundo, as reais consequências deste problema
são muito difíceis de determinar. Não julguemos que este problema está isolado
em Guiyu. O modelo de globalização atual não derrubou apenas as fronteiras
alfandegárias e económicas. Também fez cair as barreiras à proliferação da
poluição e da contaminação através de bens que viajam por todo o mundo.
Graças a esta globalização tudo o que acontece numa cidade, num país
ou numa sociedade tem impacto no mundo inteiro, fruto da gigantesca teia
comercial e tecnológica que une os 7000 milhões de homens mulheres e crianças
deste planeta.
Talvez seja bom pensarmos que, enquanto milhões de pessoas
acampam dias a fio junto às portas das lojas só para serem os primeiros a
adquirir o novo modelo de telemóvel, de tablet ou de máquina fotográfica
digital e sentirem aquela “realização” virtual e efémera de tirarem a
virgindade à caixinha cuidadosamente selada e embrulhada em película plástica
brilhante, algures no outro lado do mundo ou ali mesmo ao lado, seres humanos
cuidam da sua morte acelerada enquanto procuram ganhar uns míseros 10 cêntimos
à hora para recuperarem alguma coisa rentável do computador, do telemóvel ou da
impressora que descartámos só porque é “démodé”. E faltou falar da estúpida
quantidade de energia consumida neste ciclo. Mas não faltarão oportunidades,
certamente.
A propósito: http://www.amusingplanet.com/2012/10/chris-jordans-portraits-of-american.html
ResponderEliminarObrigado pelo contributo. Abraço.
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